segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Casal exemplar

Tudo que já foi publicado neste blog teve como minha a autoria. Mas, desta vez, resolvi publicar algo que não pertence a mim. Trata-se de uma carta, datilografada, que meu falecido avô redigiu à minha avó, também falecida. Ela é "Nizinha"; ele, João Batista.

Pouco convivi com essas duas pessoas. As lembranças são vagas. Quase tudo que eu sei sobre eles eu devo à minha mãe e meus tios, que os conheceram bem. Eles sempre são lembrados como um exemplo de casal. Daqueles que não vemos hoje em dia. Enfim, eis a carta:


VENHA PARA PERTO DE MIM, POIS O TEMPO ESTÁ BOM.

"Venha sentar-te ao meu lado, no banco, diante de nossa casa, Nizinha. É tempo e é teu direito. Vai fazer, hoje, quarenta anos que estamos juntos.

Anoitece, o tempo está bom. É também o anoitecer de nossa vida: tu mereceste bem um momento de repouso.

Eis que os filhos estão encaminhados e partiram pelo mundo. Uns casando, outros por casar. Na verdade é que novamente estamos ficando apenas os dois, como no começo.

Lembra-te, Nizinha? Não tínhamos nada para começar, tudo estava por fazer.

Nós demos tudo. Mas foi duro. É preciso coragem, perseverança. É preciso amor, e o amor não é aquilo que a gente pensa quando começa. Não são apenas beijos que se trocam ou palavras sussurradas ao ouvido, ou sentir-se apertado um contra o outro; o tempo da vida é longo, o dia de núpcias é apenas um dia, e, em seguida, tu te lembras? É só em seguida que a vida começa.

É preciso fazer o que está desfeito; é preciso refazer, pois está desfeito ainda. É preciso fazer.

Vêm os filhos. É preciso nutrí-los, vestí-los, educa-los. E não acaba mais. Às vezes ficavam doentes e tu passavas a noite de pé. Eu trabalhava da manhã ao anoitecer. Às vezes dá o desespero; os anos se sucedem e a gente não progride; até parece que recua. Lembra-te, Nizinha?

Todas as preocupações, todo o trabalho, somente tu estavas lá. Permanecemos fiéis um ao outro. Assim pude apoiar-me em ti e tu te apoiaste em mim. Tivemos sorte de estar juntos, unidos. Lançamo-nos os dois à obra, aguentamos firme. O amor verdadeiro não é aquilo que se pensa. O amor verdadeiro não é de um dia, mas de sempre.

É ajudar-se, compreender-se. E pouco a pouco a gente vê que tudo se arranja. As crianças cresceram e se saíram bem. Nós lhes havíamos dado o exemplo. Consolidamos os alicerces da nossa casa. Que todas as casas do país sejam sólidas e o país também será sólido. Por isso, vem para o meu lado e olha, pois é tempo da colheita quando tudo é rosado ao anoitecer, e uma poeira de rosas se eleva por toda parte entre as árvores. Senta-te pertinho de mim, Nizinha. Não diremos nada, não precisamos dizer nada. Precisamos apenas estar juntos ainda uma vez e, no contetamento da tarefa cumprida, esperar que a noite chegue."

(João Batista Xavier)

4 comentários:

Thiago Mariz disse...

Pelo amor de Deus, que texto lindo! Naquele ritmo sereno e gostoso que só o tempo nos faz ter. E fala de um amor tão belo, mas, da mesma forma, tão sereno...


Simplesmente lindo, lindo...

Anônimo disse...

Lindo texto, traduz aquilo que quero para minha vida e meu relacionamento, amor tão difícil de resistir nos dias de hoje, gostaria de publicá-lo no meu blog com sua autorização.
Se puder me responda através do meu blog ou pelo meu e-mail:
arrl1970@hotmail.com
Agradeço desde já, tem muito a ver com o momento que estou passando em minha vida.

Suzane Borba disse...

"Por isso, vem para o meu lado e olha, pois é tempo da colheita quando tudo é rosado ao anoitecer, e uma poeira de rosas se eleva por toda parte entre as árvores."

Poucas são as pessoas que conseguem transformar meras palavras em poesia... poesia pura. Muito lindo!

Anônimo disse...

Amor ein, essa carta mostra uma definição tem tanto procuramos hoje.
Muitas vezes confundido, ditos de qualquer jeito,em qualquer lugar, a qualquer um.

Acho que essa carta é desejo de muitos, o meu alias. hehe
Quem sabe né.

Foram grandes seus avós.
Muito bom rpz.
Feliz 2009.
Abraço